Nossa chegada a Leopoldina na Zona da Mata de Minas Gerais não foi triunfal, mas é uma história digna de nota. Paramos o carro no estacionamento do hotel e fomos à recepção. Quando dissemos para a funcionária que tínhamos uma reserva ela, educadamente, nos alertou: “aqui é uma clínica”. Olhamos no entorno e percebemos nossa gafe. O hall de entrada era na verdade uma sala de espera. Não foi nossa culpa, ali já foi o hotel, mas aquela parte do prédio foi transformada em clínica. O estacionamento era conjunto, porém a entrada que deveríamos tomar era outra.
Assim começou nossa jornada na cidade, fazendo jus a Geraldo Viramundo, o personagem maluquinho e cativante de Fernando Sabino, que nos guiava Minas afora. Para fora mesmo, pois Leopoldina foi a última cidade mineira visitada na Expedição Caminhos Fernando Sabino antes de partirmos para o Rio de Janeiro. Seria a despedida de Viramundo, feito menino grande, para mais tarde nos encontrarmos com seu criador homem feito menino.
Conheça nossas Expedições Literárias
Viramundo passou ali uma temporada na casa da tia (fictícia?) de Sabino, dona Maria Eudóxia, ajudando a fazer doces de manga, especialidade não só da tia, mas da cidade. Uma iguaria tradicional que infelizmente não conseguimos provar. Gloria ainda não perdeu as esperanças!
Mas se lá Viramundo encontrou o aconchego familiar que perdeu quando saiu de Rio Acima rumo ao seminário de Mariana, o que é que nós encontraríamos na cidade? A origem dos Sabinos, o início de tudo.
Quem morou em Leopoldina foram os avós de Fernando, sendo os paternos imigrantes italianos. Seus pais, Domingos Sabino e de Odete Tavares de Lacerda, nasceram e se casaram na cidade. De lá foram para Belo Horizonte, onde nasceu o homem escritor que mais tarde morreu menino.
A cidade não explora a ancestralidade de Sabino, mas a casa que seu avô construiu ainda está de pé e fomos lá conhecer. A fachada sofreu poucas modificações, mas ao contrário do bar Salão Recreio hoje há a papelaria Papel Picado. Lá dentro, uma infinidade de materiais escolares e de escritório, nenhum sinal do vinho que seu Nicolau (o avô paterno) importava da Itália, ou do sorvete que mandava vir do Rio de Janeiro. Mas continuava lá a simpatia dos mineiros para nos receber, deixar conhecer o lugar e viajar no tempo.
O pequeno Fernando passou algumas férias por ali na casa dos avós. Devia gostar de brincar no enorme quintal (hoje ocupado por casas novas) e na Praça do Ginásio, bem em frente.
Conversamos com o seo Tomé, atual dono da casa, que a comprou de Gerson, irmão de Fernando. Ele lembra que antes moravam no local as tias do escritor, mas que após a morte delas, Gerson tratou da venda, há mais de cinquenta anos. A casa de seo Tomé foi construída onde antes era o quintal. A casa dos avós foi dividida em três, no meio, que fica bem na esquina, está a papelaria. De cada lado, moradias alugadas, mas não deu pra visitar as residências.
Desta nossa passagem por Leopoldina faltou o doce de manga, mas não podemos reclamar, provamos dos quitutes deliciosos que compramos na Padaria do Ginásio do outro lado da praça: casadinhos (bolachinhas supermacias recheadas com doce de leite) e casadões (a mesma coisa, mas em tamanho adoravelmente indiscreto), com massa branca ou avermelhada com beterraba (o sabor praticamente não muda). Levamos alguns saquinhos para comermos no hotel e no restante da viagem e trouxemos alguns pra família.
Apesar de não destacar a os antepassados de Sabino (que nunca viveu lá, vamos admitir), Leopoldina cultua o poeta Augusto dos Anjos, que teve na cidade a sua última moradia. O escritor veio trabalhar numa escola da cidade, mas poucos meses depois morreu de pneumonia.
A casa onde morou, bem no Centro de Leopoldina, hoje é o Espaço Dos Anjos, um singelo mas bem cuidado museu em homenagem à memória do poeta. Quem toma conta dali é a Zezé Salles, que nos recebeu de braços abertos e conduziu nosso tour pela casa.
Achei curiosas as copas das árvores (me ajudem com o nome?) sustentadas por fios ao longo da calçada, tomando um formato retangular na horizontal. Parece que estão flutuando. Diante da fachada branca e azul da simpática casinha, parece que estamos num conto de fadas ou algo do tipo.
O calor de Leopoldina nos pegou de surpresa. Viemos de Barbacena, a 1.160 metros de altitude e em poucas horas de estrada chegamos em Leopoldina a 225 metros, próxima ao rio Paraíba do Sul. O ar abafado era bem diferente do friozinho da serra.
Passamos também pelo Centro Cultural Mauro de Almeida Pereira, onde fomos recebidos pelo superintendente de Cultura, Cláudio, e de Turismo Paulo Roberto. Nos contaram um pouco da história da cidade e de sua dinâmica. Inclusive chamaram nossa atenção para o busto do carnavalesco Vitalino Duarte, uma reivindicação do movimento negro que ganhou força após a decisão polêmica de instalação de uma estátua da princesa Leopoldina (que empresta o nome à cidade). A pressão deu resultado e o prefeito decidiu pagar ele mesmo pela a produção e colocação do busto.
Nossa passagem por Leopoldina ficou mais rica com a ajuda e os textos da Cristina Souza, pesquisadora da UFMG em Belo Horizonte, e da Nilza Cantoni, que infelizmente não conseguimos encontrar pessoalmente.
De Leopoldina pegamos a estrada rumo a Petrópolis para descanso de um dia antes de seguir para a última etapa da expedição: o Rio de Janeiro. Por conta de um congestionamento enorme na BR ficamos algumas horas parados e tivemos que desviar por uma estrada de terra, que pra gente deu mais gostinho de aventura. Colocamos na bagagem novas histórias, alguns quitutes e o desejo de provar o doce de manga.
* Da Janela é associado à Amazon: comprando a partir de nossos links, você ajuda a manter nosso site.
Que belo esse pequeno tour literário e cultural pela cidade de árvores flutuantes, os Oitis de Leopoldina…nossa cidade.
Muito sensível artigo sobre nossa cidade, seus lugares e escritores. Vale a pena provar o delicioso doce de manga “Laginha”, que pode ser achado em compotas, e que já foi exportado para adocicar o seleto paladar da rainha Elizabeth II, da Inglaterra.