Escrito nas estrelas?

Exposição Caminhos Fernando Sabinol de Gloria Cavaggioni e Wanderley Garcia

Implico com qualquer conteúdo de autoajuda. Tenho minhas reservas até em relação à nova grafia da palavra depois da reforma ortográfica, simpatizava com o hífen perdido. Também não sou religiosa ou mística, sinto mesmo que o lado espiritual tem sido negligenciado por mim há algum tempo. Ainda assim tenho meus rituais e crenças particulares, bastante ecléticas, digamos assim.

Acredito em anjos, acendo velas ocasionalmente, sou fã de São Francisco, aposto em incenso, pedras e essências naturais para melhorar o ambiente, algumas orações me confortam, outras me fortalecem, sou curiosa em relação aos orixás (que pouco conheço), bato longos papos com pessoas queridas que já morreram e costumo agradecer a Deus pelas pequenas graças que recebo diariamente – um pãozinho gostoso, um acidente de trânsito evitado, um broto novo no jardim de casa, meus netinhos felizes. Tá… confesso, também peço a Ele proteção e coragem em épocas difíceis.

Talvez essa miscelânea imaterial que cultivo seja herança de minha avó materna. Se declarava católica apostólica, mas não romana. Era o jeito dela deixar claro que não concordava com todos os preceitos da igreja católica, apesar de ter um altarzinho com imagens de santos, fotos dos netos e do marido já falecido em seu quarto. Frequentava um centro espírita, se sentia muito bem depois de tomar um passe, assim como após acompanhar as missas nas manhãs de domingo. Conservava em uma de suas gavetas de roupas um raminho de arruda, que usava para nos benzer quando necessário. Conhecia várias simpatias e lia cartas.

Gostaria de ser uma pessoa aberta ao divergente como ela, mas luto constantemente com uma boa dose de intolerância que insiste em dificultar meus dias. Com isso, princípios que julgo fazerem parte do clube da autoajuda são logo sentenciados ao desmerecimento e desprezo e tomo o maior cuidado para que minha fé no pensamento positivo não avance para o universo dos lemas motivacionais. Apesar de repetir alguns mantras, frases como: “de alma limpa e mente aberta aguardo os próximos voos”, me dão arrepios, mas tenho que admitir, às vezes são verdadeiras.

Um pouco de sossego

Há tempos eu e Wands não fazíamos uma viagem de férias como tanto gostamos, com trilhas, cachoeiras e sossego. As expedições literárias são enriquecedoras, mas bastante intensas e desgastantes. Ansiávamos por alguns dias sem horários ou compromissos, vagando por paisagens bonitas e experimentando comidas gostosas.

Em Capitólio (MG): mente livre para os próximos voos - Foto: Wanderley Garcia, Da Janela
Em Capitólio (MG): mente livre para os próximos voos – Foto: Wanderley Garcia, Da Janela

Passamos 5 dias em Capitólio – MG e essa temporada de papo pro ar foi o melhor remédio para desanuviar a cabeça. Saímos de casa cheios de preocupações e incertezas, voltamos mais leves. “De alma limpa e mente aberta” nem precisamos “aguardar os próximos voos”, eles nos alcançaram no caminho de volta.

Mal chegamos e encontramos três mensagens sobre projetos de trabalho. O parecer da editora favorável à publicação do nosso livro sobre a expedição Caminhos Fernando Sabino, a proposta de uma parceria na criação do roteiro de um passeio relacionado a um escritor que gostamos bastante e uma pergunta: vocês têm material para uma exposição sobre a viagem que fizeram sobre Fernando Sabino?

Exposição sobre Fernando Sabino

Quem nos procurou foi a Ana Lúcia, funcionária do Colégio Miguel de Cervantes, em São Paulo. Depois desse primeiro contato conversamos com a Rosana, a coordenadora da biblioteca do colégio que nos contou mais sobre o que buscavam.

Há 40 anos a Feira do Livro faz parte do calendário de eventos do colégio. Com a instituição do Ano Nacional Fernando Sabino em 2024, pensaram em fazer uma homenagem a ele durante a feira. A proposta era organizar uma exposição sobre nossa viagem, relacionando os lugares com o autor e sua obra, principalmente com os romances O encontro marcado e O grande mentecapto. Algo que não fosse um relato de sua biografia, mas que suscitasse a curiosidade dos alunos.

Tínhamos um prazo apertado, 18 dias para produzir 24 painéis e dois vídeos. Entre o dia 10 e 24 de maio nossa vida girou em torno da exposição. Nesse intervalo tivemos dia das mães, aniversário do Wands e aniversário da minha filha caçula. Ficou tudo para ser comemorado depois, a única que teve sorte foi a Juju, minha filha mais velha. O aniversário dela foi no dia 4, pudemos comemorar juntas na data certa. Passamos o dia das mães e todos os outros nesse intervalo de tempo debruçados sobre nossos notebooks de manhã até bem tarde da noite.

Trabalho intenso por duas semanas para montar a exposição - Foto: Wanderley Garcia - Da Janela
Trabalho intenso por duas semanas para montar a exposição – Foto: Wanderley Garcia, Da Janela

Fazia tempo que não tínhamos um ritmo de trabalho conjunto tão intenso e mesmo bastante preocupados com o resultado, saboreamos cada parte do processo. Me lembrou quando estamos na estrada, durante as expedições. Viajamos focados no trabalho, pensando em entrevistas e pautas a serem apuradas, mas curtimos os caminhos e a companhia um do outro.

Nos empenhamos ao máximo para que tudo desse certo, sofremos com a pressão do prazo curto, mas o tempo todo felizes, gostando de fazer. Engraçado é que até nas preocupações somos diferentes. Wands temia o resultado das fotos, a diferença nas cores entre a imagem que vemos na tela do computador ou celular e a impressa. Eu me afligia com a fixação dos painéis. Para tranquilidade dos dois, cada coisinha relacionada a este projeto correu bem, até o trânsito em São Paulo colaborou.

Tudo fluiu

Pode parecer que estou pintando o mundo de cor de rosa, mas é a mais pura verdade: tudo fluiu. Fomos super bem recebidos pela Rosana e sua equipe, a montagem da exposição deu certo, rimos das dificuldades iniciais de se fazer algo inédito e ficamos satisfeitos com o resultado.

Costumam nos ensinar que não é bonito demonstrar que gostamos de algo que fizemos. Como trabalhamos em dupla fica um pouco mais fácil quebrar essa barreira e usufruir do contentamento com nossos resultados, não foi feito só por um de nós, valorizar o trabalho do outro é permitido. Foi uma sensação muito boa ver as fotos em tamanho grande, lembrar de momentos marcantes da expedição, de passagens que nos emocionaram. E também meio esquisito ver uma foto nossa no último painel.

Nela estamos em primeiro plano, um livro aberto mostra a foto de Fernando Sabino na contracapa. Ao fundo a igreja São Francisco de Assis, em Ouro Preto. Esse lugar guarda um pedacinho precioso da minha história com o Wands. Ficamos hospedados num casarão antigo bem ao lado da igreja na primeira vez em que fomos à cidade juntos. O quarto tinha janelas enormes e nos proporcionaram uma das mais lindas visões que já tivemos. Nem acho que é a nossa melhor foto, em outras estamos mais bonitos. Mas é bastante significativa e representa bem o espírito de nossa aventura turístico literária. É genuína, não foi produzida. Passamos mesmo um tempo lendo Fernando Sabino sentados na mureta ao redor da igreja, contentes no friozinho do inverno de Ouro Preto.

Talvez o significado de cada painel para nós contribua para que o envolvimento nesse projeto tenha sido tão prazeroso. Outro ponto importante foi a feira do qual ele fez parte. Muito bem organizado, o evento envolveu pais, alunos, professores, funcionários, editoras e autores badalados. Até a Flora (minha filha caçula) e seu barrigão de 6 meses de gestação foram nos prestigiar. Foi gostoso ver um evento tão grande, o movimento de todos em torno da literatura. Mas desconfio que o que fez toda a diferença foi nos sentir parte desse universo, ver nosso trabalho, percepções e descobertas materializados, palpáveis, concretos.

Coincidência, resultado do esforço ou estava escrito nas estrelas?

Três gerações: Flora e seu barrigão vieram prestigiar a exposição. Foto: Wanderley Garcia, Da Janela
Três gerações: Flora e seu barrigão vieram prestigiar a exposição. Foto: Wanderley Garcia, Da Janela

Depois de alguns dias de férias deixando as preocupações de lado e aproveitando a companhia um do outro parece que nossos caminhos se abriram. As mensagens que recebemos na volta trouxeram novas perspectivas profissionais, todas positivas. Se foi coincidência, energia positiva, nossa mente livre, a influência dos anjos, das velas acesas, das conversas com minha mãe que já se foi há mais de 20 anos, resultado do nosso esforço construindo o que desejamos ou estava escrito nas estrelas realmente não sei. Gosto de acreditar na soma de todos esses fatores. O importante é que, mais uma vez, Wands e eu fomos parceiros. Encaramos os desafios e receios juntos, nos divertimos no desenrolar das tarefas e ficamos felizes com o resultado. Não é esse o nosso propósito ao nos dedicarmos ao Da Janela, uma vida mais próxima do que desejamos?

Orgulho, ternura e alegria

Na semana passada Rosana nos enviou uma mensagem via whatsapp: “A exposição foi acomodada no prédio do ensino médio e está sendo explorada por professores e alunos.” Mandou imagens que mostram os painéis agora exibidos um ao lado do outro. Olhando para elas me senti vendo fotos das minhas filhas empenhadas em algum trabalho relevante para elas. Um misto de orgulho, ternura e alegria.

Daqui a pouco mais de uma semana a exposição será desmontada e iremos buscar o material. Os alunos estarão de férias e o colégio será um ambiente bem diferente do que conhecemos. Provavelmente sentirei um certo vazio, um tanto de melancolia, a mesma sensação que tenho quando termino de ler um livro de que gostei. Isso me lembra uma frase atribuída a Victor Hugo: “A melancolia é a felicidade de ser triste”. E me obriga a outra confissão: além de conteúdos de autoajuda, implico com quem cita frases retiradas de seu contexto original. Contraditoriamente, adoro fazer isso. Falta ainda abandonar a rabugice e aceitar que os outros também façam livremente.

Recadinho aos leitores:

Último painel de nossa exposição: nós e Fernando Sabino em Minas Gerais: Foto: Gloria Cavaggioni, Da Janela
Último painel de nossa exposição: nós e Fernando Sabino em Minas Gerais: Foto: Gloria Cavaggioni, Da Janela

Comecei essa crônica com a incumbência de contar sobre a exposição Caminhos Fernando Sabino no Colégio Miguel de Cervantes. Juro que tentei, mas falhei. A versão que enviei para o Wands avaliar era mais longa, tinha detalhes e fatos sobre o evento que só deixavam o texto esquisito.

Resumo da ópera: admito meu fracasso na tentativa de ser objetiva desta vez. Wands cumprirá minha missão e contará sobre o projeto, como ótimo jornalista que é, em uma próxima oportunidade.

De uma maneira ou de outra tudo dá certo…

2 COMENTÁRIOS

  1. Estava escrito nas estrelas que vcs seriam resgatadores das memórias de inesquecíveis escritos.
    Estava escrito nas estrelas que estes resgatadores seria um casal que transbordam amor e cumplicidade.
    Estava escrito nas estrelas que este casal nos mostraria que é possível trabalhar com o cônjuge e ser feliz.
    Estava escrito nas estrelas que mesmo com a correria da vida, ainda há ambientes que desfrutem de boas leituras como as escolas, bibliotecas, livrarias, entre estudantes, aposentados e a terceira idade ; e nos momentos de férias e viagens como os meus.
    Só não estava escrito que eu ia gostar tanto. Obrigada por dividir comigo a experiência, o entusiasmo, o contentamento de um excelente trabalho. Até a próxima.

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