Procuramos Antares. Não a estrela, mas a cidade onde o Incidente ocorreu. Se você não sabe do que estou falando, tomo a liberdade para sugerir a leitura do último romance escrito por Erico Verissimo. Em Incidente em Antares o autor se mostra mais político e irônico. Eu e Gloria resolvemos procurar a cidade fictícia em algum lugar e sabíamos que São Borja era uma importante referência, além de Cruz Alta, a cidade natal do autor.
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Tínhamos um roteiro em mente e conseguimos cumpri-lo, apesar do calor acima dos 40 graus celsius até o entardecer. No caminho, a paisagem dos pampas alimentava nossa alma, enquanto descobríamos aquele pedaço do país fronteiriço à Argentina. Parecia muito distante quando líamos sobre a cidade e agora ela se exibia aos nossos olhos, tão concreta quanto o mausoléu de Getúlio Vargas projetado por Oscar Niemeyer e que fica na praça principal da cidade, a XV de Novembro.

No nosso roteiro incluímos a visita a quatro museus de São Borja, todos eles ligados à parte da história do Rio Grande do Sul presente nas obras de Erico. Começamos pelo belo casarão de João Goulart, com relíquias da família e do ex-presidente. Pertinho dali a casa de Getúlio Vargas, que pede por manutenção, mas nada impede de nos lançarmos para outros tempos. Sim, no plural, pois os getúlios que aparecem com mais evidência são o revolucionário de 1930 e o democrata trabalhista dos anos 1950. O ditador do Estado Novo fica sempre à espreita, como um fantasma dos outros fantasmas.

Passamos depois pelo Museu Missioneiro, com peças sacras das reduções jesuíticas da região. São Borja faz parte dos Sete Povos da Missões. Entramos na região missioneira pelos fundos, ou pelo início mesmo, pois São Borja foi a primeira missão dos Sete Povos, aqueles que ficam à leste do Rio Uruguai e que no século 18 foram destruídos para dar lugar à formação do que hoje chamamos de Brasil. O Museu Missioneiro foi nossa porta de entrada para este universo das missões em que mais tarde mergulharíamos durante a passagem por Santo Ângelo e especialmente por São Miguel. No lugar da antiga igreja jesuítica já demolida encontramos a modernista Matriz de São Borja e somente algumas pedras lembram a arquitetura jesuítica do século 18.

O último museu visitado foi o da Estância, com elementos das velhas fazendas gaúchas do século 19 e início do 20. Montado em um galpão com objetos das casas e da vida no campo, impossível não se transportar para o Angico, estância da família Terra Cambará de O Tempo e o Vento. Chama a atenção o bolicho, pequeno bar e mercearia. A presença real ali é do Capitão Rodrigo. “Buenas e me espalho”.
Não é propriamente um museu, mas o cemitério de São Borja, como quase todos os demais, nos leva a uma viagem no tempo. Ali o que há de especial são os túmulos da família Vargas (os restos do ex-presidente foram levados para o mausoléu no centro da cidade) e Goulart (onde estão enterrados Jango e seu cunhado Leonel Brizola).
Fechamos o circuito histórico na praça XV de Novembro. Não há mais coreto onde os mortos insepultos possam ficar, tal como no Incidente, mas a presença de Vargas – e os fantasmas que o acompanham – cumpre o papel de manter um permanente e incômodo relembrar.
Dali fomos finalmente para a margem do Rio Uruguai (era grande nossa ansiedade por conhecer este rio que delimita o sul brasileiro e o norte argentino). O pôr do sol, os barquinhos na margem, a mata do outro lado da fronteira, as águas descendo com calma. Antares estava presente, viva, repetindo-se continuamente nas injustiças e na esperança. Comemos um peixe grelhado tradicional, brindamos e vivemos o sol se escondendo por trás das águas do Uruguai. Emocionados com a beleza e com os cenários e personagens de Erico passando diante de nós, encontramos Antares e nos preparamos para seguir viagem.
[…] Veja o que encontramos de Antares quando visitamos São Borja, no Rio Grande do Sul. […]