Bagé entrou no roteiro da Expedição Literária Caminhos Erico Verissimo por conta da cidade cenográfica de Santa Fé, de O Tempo e o Vento. A primeira ideia do roteiro previa Porto Alegre, Cruz Alta e São Miguel das Missões. Mas a descoberta de que os casarões construídos para o filme de Jayme Monjardim em 2013 resistiam bravamente ao tempo não nos deixou dúvidas: Bagé devia entrar na rota. Mas antes de contar o que vimos, vamos falar um pouquinho da nossa aventura pelo Rio Grande do Sul.
A Expedição
Caminhos Erico Verissimo foi uma expedição literária criada pelo casal de jornalistas Wanderley Garcia e Gloria Cavaggioni, que moram no interior de São Paulo. Decidiram descobrir elementos da vida e da obra do escritor Erico Verissimo numa viagem de 13 dias pelo Rio Grande do Sul, passando por 12 cidades.
Bagé foi a terceira visitada. Começamos a expedição por Porto Alegre e passamos em Rio Pardo.
Aqui você conhece o roteiro completo.
Distância entre Porto Alegre e Bagé
Nosso objetivo era ir de Porto Alegre a Cruz Alta, cidade natal de Verissimo e dali conhecer a região missioneira do Rio Grande do Sul, no oeste do estado. Mas Bagé fica no Sul, a cinco horas de viagem de carro saindo da capital, num total de 382 quilômetros.
Decidimos apostar na importância de conhecer a cidade cenográfica e de fato valeu muito a pena. Refizemos o roteiro e pudemos incluir nele Alegrete, terra natal de Mario Quintana. Também passamos por Rio Pardo, que fica entre Bagé e a Capital.
Para economizar tempo, eu e Gloria decidimos não almoçar. Levamos lanche no carro e comemos na estrada. Assim, ao chegar à cidade, fomos direto para nossa primeira parada: o Centro Histórico!
Centro Histórico de Bagé
Quando fizemos contato com a prefeitura de Bagé para agendar nossa visita, a Coordenadora de Turismo, Silvana Carvalho, já foi logo relacionando o cerco ao Sobrado de O Tempo e o Vento ao cerco de Bagé na revolução de 1893. Isso só aumentou nossa curiosidade. Devido à pandemia, Silvana não pode nos acompanhar, mas fomos muito bem recebidos pelo historiador Jayme, que nos guiou por duas horas no centro histórico.
A primeira parada foi na Praça da Matriz (Carlos Telles), em frente à Catedral de São Sebastião. Ali, Jayme nos contou, sob o sol escaldante, a história que queríamos ouvir: o cerco de Bagé.
Cerco de Bagé
Durante a Revolução Federalista (1893 a 1895), os federalistas (maragatos) cercaram a cidade. Para se proteger, os republicanos (pica-paus) se refugiaram na igreja matriz e resistiram aos ataques durante 47 dias. A fachada do templo ficou cravejada de balas e os republicanos mortos eram sepultados nas laterais da igreja. Quem já leu O Continente, primeiro livro de O Tempo e o Vento, percebe claramente as semelhanças.
Em Bagé acredita-se que o cerco na cidade inspirou Erico Verissimo. No entanto, em Cruz Alta, cidade natal do escritor, também houve um importante cerco durante a revolução federalista, sendo o mais provável que este tenha inspirado o autor.
Praça da Estação e estátua de Luis Fernando Verissimo
Estávamos também interessados em conhecer outro lugar: a Praça da Estação (Júlio de Castilhos) onde fica a estátua de Luis Fernando Verissimo e seu Analista de Bagé. A praça fica em frente à antiga estação de trens, hoje prédio administrativo da Prefeitura, onde funcionam diversas secretarias.
A história da formação do Rio Grande do Sul, marcada por guerras e revoluções, está registrada em outros monumentos e estátuas da praça, como a Herma de Duque de Caxias e o Busto a Manoel Luiz Osório, patrono da cavalaria.
É também um ponto de encontro da população local, que utiliza a praça para lazer e prática de esportes.
Mas o que buscávamos ali era o consultório a céu aberto do Analista de Bagé, um dos personagens mais famosos de Luis Fernando Verissimo, filho de Erico e também escritor. Além da estátua do analista, também estão representados ali a sua assistente Lindaura, o criador da dupla e o divã de pelego.
Deixamos a praça que leva o nome do líder republicano Júlio de Castilhos em direção à praça do líder oposicionista maragato, Silveira Martins. A cidade, mantém assim, as honras a dois importantes grupos políticos do Rio Grande do Sul. De frente para a praça está a antiga sede da Prefeitura e que ainda abriga o gabinete do prefeito. Numa das laterais da praça fica a estátua de Gaspar de Silveira Martins e em outra lateral, algo que ainda não tínhamos visto: um coreto. Como não lembrar de Incidente em Antares, com os mortos insepultos reunidos no coreto da praça?
Cidade Cenográfica de Santa Fé
Depois do centro histórico fomos à grande atração: a cidade cenográfica de Santa Fé.
Já sabíamos que o local está em ruínas e fechado para visitação. Mas por ser trabalho jornalístico, fomos recebidos por Neimar Rodrigues, chefe de gabinete do vice-prefeito.
Mesmo um tanto abandonada, não deixou de ser uma experiência incrível ver locais que antes estavam na memória da leitura dos livros e também da minissérie da globo e do filme de Jayme Monjardim.
O cemitério, a intendência, outras casas descritas nos romances, o importante cemitério. No centro da praça, a figueira. Infelizmente a igreja e o Sobrado já haviam sido demolidos. A intenção da prefeitura é reconstruir os prédios em alvenaria e transformar o local num centro cultural e de eventos.
Neimar nos explicou que a cidade cenográfica foi feita para durar seis meses, mas resiste já há 10 anos. Por isso, a necessidade de reconstruir todos os prédios em alvenaria.
Torcemos para que o projeto da prefeitura saia do papel e Bagé possa contar com um importante polo de atração turística, relembrando a obra de Erico Verissimo.
Centro Histórico da Vila Santa Thereza
Já era final de tarde. Apesar de entusiasmados com os lugares visitados e a amável recepção dos bageenses, o calor não nos poupava e chegamos no nosso último compromisso do dia um tanto cansados.
Quando percebemos o que nos aguardava – um lugar aberto, com pessoas aproveitando o finalzinho do domingo, barulho de crianças brincando e uma atmosfera de sítio, nos animamos. Chegávamos ao Centro Histórico de Santa Thereza.
Caminhando do estacionamento em direção à capela que se destacava entre as árvores e o céu passamos por casas que pareciam ter sido de colonos, ou antigos escritórios de uma fazenda. Construções despretensiosas, com um jardim e um passeio separando a fachada de um campo que se estendia até a distante linha do horizonte, nos remeteram aos ambientes rurais desprovidos de qualquer afetação descritos por Erico Verissimo em alguns de seus romances.
Saindo pela porta de madeira de uma das casas quem veio nos receber foi a Renar Rodrigues, funcionária da prefeitura que trabalha com turismo na cidade. E a maneira afetuosa como nos atendeu foi um elemento a mais para afastar nosso cansaço de vez.
Renar nos contou a história da antiga charqueada inaugurada no início de 1897 e que funcionou até 1962, de seu proprietário português – o Visconde Ribeiro de Magalhães, que escolheu o nome “Santa Thereza” para essa charqueada em homenagem à sua tão querida esposa Tereza. Falou do espírito empreendedor do proprietário (antes da chegada da luz em Bagé, a Vila de Santa Thereza já tinha sua própria energia gerada por uma pequena usina hidrelétrica), do apreço pelas plantas e jardins de D. Tereza e da prosperidade da vila.
Em torno da Charqueada de Santa Thereza foi criado um complexo urbano e industrial, que incluía uma vila de operários modelo (chegou a abrigar 840 operários em seu auge), capela, coreto, teatro, padaria, pequenas indústrias, olaria, escola, restaurante, além da imponente casa de D. Tereza e seu Visconde português, cercada por lagos artificiais, parreiras, pomar e jardins.
Com o fim da produção do charque, o lugar ficou abandonado e as construções históricas que compunham a vila passaram a se deteriorar com a ação do tempo. Em 2003 teve início um trabalho de restauração. A bisneta do Visconde Ribeiro de Magalhães é uma das responsáveis por esse projeto de recuperação do lugar, que recebeu oficialmente o nome de Centro Histórico de Santa Thereza e que proporciona a quem visitá-lo momentos bucólicos. No final de domingo em que lá estivemos percebemos um certo quê de preguiça em meio à descontração dos visitantes.
Pôr do sol nos pampas
Já estávamos contentes com as histórias contatadas pela Renar, a visita ao antigo teatro e à capela, a vistoria de objetos antigos que tanto nos trouxeram ecos dos romances de Erico Verissimo. Ainda assim ganhamos bônus no finalzinho da visita.
Conforme programamos, gravamos em vídeo uma entrevista com a Renar, para registrar os pontos mais importantes ou curiosos do Centro Histórico. Terminada a conversa sobre Santa Thereza perguntamos como foi a experiência de ter a versão de O Tempo e o Vento para o cinema dirigida por Jayme Monjardim gravada em Bagé.
Então ela nos contou da participação ativa dos bageenses, que até como figurantes atuaram, do impacto no cotidiano da cidade, da convivência com os artistas e do porquê Bagé foi escolhida para sediar a cidade cenográfica. Segundo nos contou a Renar, o diretor queria autenticidade nas paisagens e personagens e apostou numa Santa Fé construída na região dos pampas, acreditando que os gaúchos se reconheceriam no filme.
Se os gaúchos se identificaram com a obra de Jayme Monjardim não podemos afirmar, mas no pôr do sol que nos abraçou nesse final de domingo com toda certeza reconhecemos as aquarelas do artista bageense Glauco Rodrigues utilizadas na abertura da adaptação de O Tempo e o Vento para minissérie veiculada pela Rede Globo.
Durante nossa jornada em busca de Erico Verissimo pelas cidades do Rio Grande do Sul, pores do sol de deixar qualquer vivente boquiaberto foram uma constante. Depois de um dia superalimentado de sensações, impressões, descobertas e um calor de rachar, só restou nos render à fome do corpo, saciada com um suculento entrecôte gaúcho.
Museu Dom Diogo
Como no domingo o Museu Dom Diogo de Souza estava fechado, atrasamos nossa saída da cidade na segunda-feira em algumas horas para uma visita rápida. Não podíamos ter feito escolha melhor. Se O Tempo e o Vento descreve a trajetória do Rio Grande do Sul ao longo de 150 anos, o museu nos mostra parte esta história.
Nossa imersão começa pela beleza imponente do prédio, antigo hospital de beneficência, com fachada larga e ladeada por gramados. Impossível passar em frente e não querer subir sua escadaria para entrar.
Na recepção, o antigo gramofone nos trouxe à tona Erico e seu pai Sebastião Verissimo. Em suas memórias, o escritor lembra do gramofone do pai e de como ele adorava ouvir música. Esta paixão foi levada para a ficção, com os personagens Dr. Rodrigo Cambará e seu filho Floriano, inspirados em Sebastião e no próprio Erico.
Visitamos diversas salas do museu e as exposições foram nos relembrando uma história após a outra. Os objetos da guerra Farroupilha nos trouxeram o Capitão Rodrigo. O chapéu do General Rafael Pinto Bandeira é indissociável de Lima Duarte, ator que viveu o militar na minissérie da Globo, nos primórdios da família Terra. Vestidos, fardas, louças, pratarias… a teiniaguá Luzia Cambará. A sala médica, Dr. Rodrigo e Dr. Carl Winter. A visita rápida demorou bem mais que o planejado, mas rendeu muito mais em nosso retorno ao passado.
Próxima parada: Alegrete
Querendo mais, mas com o tempo apertado, seguimos para Alegrete. Almoço no carro mais uma vez e a expectativa de conhecer a terra onde nasceu o poeta Mario Quintana.
Parabés pelo trabalho e obrigado por visitar e divulgar Bagé. A cidade é linda demais e merece ser mais conhecida. Abraço grande!
[…] O Continente foi adaptado para a televisão na minissérie da Globo (1985) e para o cinema, com direção de Jayme Monjardim (2013), ambos com o título O Tempo e o Vento. As imagens externas do filme foram rodadas na cidade cenográfica de Santa Fé construída em Bagé. […]
[…] As memórias de Erico Verissimo (Solo de Clarineta volumes I e II) se misturam à obra maior do autor (O Tempo e o Vento). Juntos, eu e Gloria, nos insinuamos nos universos destas duas produções literárias no momento em que ultrapassamos a porta de entrada do Museu Dom Diogo de Souza, em Bagé, no Rio Grande do Sul. […]