São Thomé das Letras sempre foi assim, de supetão. Algo de inesperado está à espreita, nos aguardando. A pequena cidade teima em nos surpreender.
Teve a vez que chegamos bem no dia do padroeiro. As janelas enfeitadas das casas ao longo das ruas calçadas com pedras e uma multidão católica seguindo em procissão, com cruzes, imagem do santo e banda da escola. A cidade, conhecido ponto turístico dos bichos-grilos, nos mostrou sua face tradicional logo à chegada.
Dizer que a brisa de São Thomé das Letras é intensa e diferente não passa de uma redundância desnecessária, mas levar os filósofos Adorno e Benjamin para uma visita à cachoeira da Eubiose não é exatamente uma ação ortodoxicamamente marxista. Mas em São Thomé, nada pode ser ortodoxo.
Até o quarto da pousada, que apelidamos carinhosamente de calabouço, tinha seu charme, mesmo com o chuveiro mais baixo que nossas cabeças.
A primeira referência que tenho da cidade foi do relato da amiga Angélica sobre a cachoeira Shangrilá: banheiro da Barbie com as pedras mineiras rosadas ao passar da água sob o sol. Mas o encanto veio mesmo das borboletas em seu vale, numa pequena queda d’água que tira o fôlego pela beleza e pelo frio que percorre a espinha. Apenas quando se está no Vale das Borboletas é que se compreende o nome do lugar.
Em São Thomé, muita coisa só faz sentido vivendo o lugar, seus encantos surpreendentes. Percorrer a gruta de Sobradinho nos oferece à saída um espetáculo que só o contraste da luz e do breu no correr das águas pode nos oferecer.
Conheci a Ladeira do Amendoim sem saber do que se tratava, em tempos pré-Google. A ignorância torna a experiência mais exótica e inacreditável. Mas estávamos ali, vivendo o que apenas São Thomé nos oferece. A lógica vira de ponta cabeça e desafia tudo o que sabemos ser o certo. Por isso, faz tanto sentido os arbustos que chacoalham na beira da estrada, enquanto hippies vendem seus artesanatos no Vale da Lua.
Tudo sai do roteiro esperado. Um cantor aparece na noite, violão em punho, em busca de um cigarro, e nos surpreende. Nega-se, ofendido, a tocar Raul na calçada. Só tocava obras autorais. Estou falando é de São Thomé das Lendas.
No Alquimista, o tutu especial espera por nós, que estamos com apetite reforçado após a visita à pirâmide e a vista deslumbrante a 1400 metros de altitude. Vinho e fogueira na laje de pedra convidam a viver sob as estrelas.
São Thomé contrasta com suas gentes: o caipira mineiro nativo, os místicos, os estudantes em busca de liberdade. Povos que se encontram e harmonizam, não sem tensão, nas diferenças.
Não vá para lá com muitas expectativas. Tudo sairá diferente do que imagina. Será melhor. São Thomé nos espera e nos brinda com o inesperado e, se você se deixar levar, pelo imponderável.