À la minuta e as delícias de Porto Alegre

À la minuta na Rua dos Andradas em Porto Alegre - Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Era o nosso terceiro dia em Porto Alegre, mas no primeiro já estávamos apaixonados pela cidade. Wanderley tinha ido pra lá há mais de 15 anos, ficou pouco tempo e disse que estava descobrindo uma outra POA. Pra mim tudo era novo, sorvíamos o ambiente à nossa volta com curiosa alegria. Chegamos na quinta-feira, visitamos lugares impressionantes, fizemos entrevistas, muitas fotos e vídeos, conhecemos pessoas cativantes, histórias e prédios de outros séculos. Andamos a pé, de Uber, no carro de novos amigos. E experimentamos muita comida gostosa.

Nos deleitamos com os cortes de carne gaúchos preparados numa parrilla. O Wanderley que adora uma carninha mal passada estava no paraíso. Mesmo eu que não sou a criatura mais carnívora da Terra gostei bastante do que pedimos, principalmente da linguiça parrillera (em formato de caracol é feita de carne bovina selecionada e gordura de porco) e do molho chimichurri que veio como acompanhamento.

Deliciosa parrilla com os novos amigos Larré e Teté em Porto Alegre - Foto: Wanderley Garcia / Da Janela
Deliciosa parrilla com os novos amigos Larré e Teté em Porto Alegre – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Expedições Literárias

Provamos o famoso sanduíche aberto num tradicional bar porto alegrense, quitutes do Mercado Público, compramos frutas num mercadinho e até devoramos um cachorro quente no centro. Mas desde que li em tabuletas de vários restaurantes na Rua dos Andradas o nome “à la minuta” estava doidinha pra experimentar. Nem sabia o que era, mas queria, só por causa do nome diferente.

Sou uma comilona bastante dedicada, adoro comer. Não tenho culpa, a herança genética e o meio em que cresci são os responsáveis. Em nossa família todos comem muito. Além disso, a comida sempre foi sinônimo de afeto para nós, minha mãe cozinhava maravilhosamente bem, com capricho e cuidado. Meu pai gostava de preparar pratos da cultura rancheira no fogão à lenha, de fazer churrasco e assar pizzas no final de semana enquanto inventava histórias improváveis em que acreditávamos piamente (uma vez inventou que foi pizzaiolo na Itália). É costume entre nós fazer um prato que a pessoa goste e dar como presente em aniversários. E acreditem, gostamos realmente de receber esse mimo. Dito isso, quem sabe entendam meu desejo de experimentar o alardeado “à la minuta”.

À la minuta ou prato feito?

Segundo o Google, o termo deriva do francês à la minute e significa “a cada minuto”. Quer dizer, um prato que está pronto em minutos. É o correspondente ao prato feito paulista: geralmente uma porção individual já colocada no prato composta por arroz, farofa, ovo frito e carne, acompanhada por uma cumbuca de feijão e uma travessinha de salada. Desvendado o mistério só nos restou saboreá-lo. Wanderley é de Minas, terra famosa pela mesa farta e um parceiro e tanto nas minhas gulodices – mesmo afirmando que eu é que sou o curuquerê. Como seu similar existe à la minuta de frango, de peixe, de carne e do que mais a imaginação do cozinheiro for capaz de criar. Provei a de frango e a de peixe e nas duas ocasiões Wanderley ficou com a de carne vermelha. Nas duas estava uma delícia. O cenário também colaborou, comemos as duas vezes em restaurantes diferentes, em mesinhas na calçada da Rua dos Andradas, que é arrebatadora. Na segunda vez o sabor da comida ficou meio misturado com um tanto de melancolia, Era nossa despedida do Rio Grande do Sul e por isso mesmo almoçamos com nosso mais recente amigo, Larré, em frente ao lindo prédio do antigo hotel Majestic, hoje Casa de Cultura Mário Quintana, um lugar que se tornou significativo para nós. Veja como foi nossa passagem por este incrível lugar!

Comidas e Erico Verissimo

Erico Verissimo conta em suas memórias que durante sua lua de mel e no comecinho de sua vida a dois com Mafalda ficaram hospedados no Majestic. Ele, na época estava abatido, perdera peso por causa de um problema no sistema digestivo que só um tio seu, médico em Cruz Alta (sua cidade Natal), conseguiu curar. Erico conta que não pode desfrutar das iguarias servidas no café da manhã do hotel, mas Mafalda se deliciava experimentando todo o cardápio disponível.

No segundo volume de suas memórias ele descreve diversas viagens feitas em companhia de Mafalda. A mais marcante para mim foi a que fizeram a Portugal. Erico descreve com minúcias os lugares, passeios, suas impressões e as comidas. Lia cheia de vontade de devorar cada refeição detalhada. Mais uma vez ele não pode usufruir plenamente dos manjares oferecidos (lidou boa parte da vida com limitações alimentares por causa de seu melindroso sistema digestivo), porém Mafalda não se fazia de rogada e desfrutava dos prazeres da boa mesa portuguesa. Concluo, então, que no quesito alimentação eu e Wanderley nos identificamos bem mais com Mafalda do que com Erico.

Procuramos sempre provar o que surge de diferente e, preferencialmente, o que é típico do lugar em que estamos. Afinal a culinária, o jeito de preparar os alimentos, de servir e de se relacionar com a comida também faz parte da cultura de um povo. Para tanto contamos com as dicas dos moradores locais, para nós os mais qualificados para uma indicação. Gostamos de perguntar a eles onde vão quando têm vontade de comer tal coisa e é lá para que vamos. Costuma dar certo.

Contando dessa maneira parece até que ocupamos nossa estadia nos empanturrando, mas não. Trabalhamos pra valer nos divertindo ao mesmo tempo, com uma programação que não nos permitia fazer as três principais refeições do dia. O combinado foi que tomaríamos o café da manhã no hotel, comeríamos alguma coisa rápida durante a tarde e à noite teríamos o direito de jantar com mais calma, podendo aproveitar as opções especificamente gaúchas. Foi uma parte da expedição bem prazerosa. Conheça nosso roteiro completo!

O arrebatador Centro Histórico de Porto Alegre

Antigo Paço Municipal (Prefeitura Velha), hoje Museu de Arte de Porto Alegre - Foto: Wanderley Garcia / Da Janela
Antigo Paço Municipal (Prefeitura Velha), hoje Museu de Arte de Porto Alegre – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Reservamos o sábado para um passeio pelo Centro Histórico com mais tranquilidade, sem entrevistas ou compromissos agendados. Pudemos caminhar pelas ruas, entrar nos museus, fazer fotos, admirar a beleza dos edifícios… Lá existe uma riqueza incrível de prédios bonitos. Não importa em que ponto esteja, se olhar em volta vai encontrar um que o cative.

Difícil escolher o favorito, cada um nos tocou de maneira diferente. O Paço Municipal, ou Prefeitura Velha como também é conhecido, tem um colorido extasiante. Fica ao lado do Mercado Público, que ocupa uma linda construção de 1869. Lugares fascinantes em que encontramos referências vida e à obra de Erico Verissimo. O Correio do Povo, o antigo prédio da Livraria do Globo, o Espaço Força e Luz, a Casa de Cultura Mário Quintana, o Theatro São Pedro, a Praça da Alfândega, a antiga Usina do Gasômetro à beira do Guaíba, a Biblioteca Pública do Estado, a Rua da Praia (descubra por que esta rua é encantadora), o Palácio do Governo, o Santander Cultural, a Catedral Metropolitana, a Praça da Matriz…

A Praça da Matriz, ou Praça Marechal Deodoro, fica em frente à Catedral Metropolitana. Nela fica o monumento a Júlio de Castilhos, em homenagem ao Patriarca do Rio Grande do Sul. O primeiro contato mais estreito entre Eugênio e Olívia, protagonistas do romance “Olhai os Lírios do Campo”, de Erico Verissimo, acontece justamente quando estão sentados ao pé desse monumento. Esperávamos passear pela praça, imaginar o casal conversando no cenário descrito pelo autor, reviver as sensações que tivemos durante a leitura.

Sinos da Catedral de Porto Alegre

Catedral de Porto Alegre - Foto: Wanderley Garcia / Da Janela
Catedral de Porto Alegre – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Nos aproximando da praça percebemos que estava todinha cercada por tapumes: em reforma e fechada ao público. Frustrados atravessamos a rua entre a praça e a Catedral e um poderoso soar de sinos nos envolveu, como se preenchesse todo o ambiente. A praça fechada, desapontamento? Nem lembrávamos mais o que significa isso. Estávamos embevecidos.

Imaginamos que os sinos tocavam para anunciar a missa, que deveria acontecer em breve. Depois soubemos que a Catedral tem seis sinos, todos virados para a Praça da Matriz. Deles, apenas um é programado automaticamente para vibrar todos os dias. Os seis sinos , acionados manualmente, tocam juntos notas musicais distintas resultando naquele som arrebatador exclusivamente às 9h45 das manhãs de domingo e na tarde de sábado, às 16h45, exatamente o momento em que pisamos na calçada em frente à Catedral.

As delícias gastronômicas de Porto Alegre deixaram boas lembranças e saudade. Apesar disso talvez os minutos inebriantes envoltos pelo soar desses sinos tenha nos alimentado ainda mais.

Siga!

Ícone InstagramLogo WhatsappFacebook

 

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome