Se você se encanta com prédios e objetos históricos como nós não terá muita escapatória, se tornará cativo da Rua dos Andradas. Adoramos realentar o passado, até aquele que não é nosso. Talvez por isso nós tenhamos gostado tanto dessa rua, a mais antiga de Porto Alegre. Nela começou oficialmente nossa aventura em busca de Erico Verissimo e sua obra pelas cidades do Rio Grande do Sul. Você pode conhecer o roteiro completo de nossa expedição aqui.
Foi saindo da Casa de Cultura Mario Quintana que pela primeira vez caminhamos a pé pelas calçadas da antiga Rua da Praia, como era chamada até agosto de 1865. Mesmo recebendo outro nome, parte da população prefere usar ainda o nome anterior e poetas insistem em cantar a beleza da Rua da Praia. Eu mesma, que já a conheci como Rua dos Andradas, tenho uma quedinha pelo nome antigo, que remete ao lugar em que ela começa, na beira do Rio Guaíba.
A sorte parece que também gosta de viajar e costuma nos acompanhar por onde quer que nos aventuremos. Logo no primeiro dia fomos “adotados” pelo Larré, assessor de comunicação da Casa de Cultura que acabávamos de visitar. Encerradas as entrevistas e a captação de imagens Larré nos convidou para beber alguma coisa no último andar do prédio: entardecia, uma paisagem linda de presente, drinks refrescantes e diferentes (com e sem álcool) em boa companhia. Mas essa parte da história já foi lindamente contada pelo Wanderley em outro texto desse blog.
Depois de um bate-papo gostoso, nosso anfitrião sugeriu que caminhássemos até o Gasômetro (antiga usina à beira do Guaíba) para curtirmos o pôr do sol. Saímos do prédio e só então me dei conta de quão especial era aquela rua. Quando chegamos mal olhei em volta, ansiosa para cumprir o horário combinado do nosso compromisso. O feitiço foi lançado naquele momento, desconfio. Começamos a andar e me sentia meio que menina, meio que mulher madura. Rua de paralelepípedo, calçadas de pedras, longa escadaria de igreja, grandes portas e janelas de madeira e postes de luz incrivelmente sedutores.
Minha mãe diria que estávamos no lusco-fusco, aquele período entre dia e noite em que a luz vai diminuindo, o céu é uma mescla de cores, as nuvens ficam mais branquinhas… e o tempo parece andar mais devagar, temos a impressão de que há algo diferente, quase palpável no ar. A minha sensação era de pertencimento, como se eu fizesse parte daquela atmosfera, daquela história, mesmo sendo minha estreia em solo gaúcho.
Caminhávamos de mãos dadas, como é nosso costume, Wanderley e eu, e me sentia apaixonada: por ele, pelo céu, pelas construções, pela aura daquela rua (e não sou mística). Sabe aqueles momentos preciosos em que vc sente que estar ali vale todos os perrengues enfrentados? Pois era isso, um desses intervalos que parecem fora do tempo ou quando o tempo está mais para Kairós do que para Chronos.
De onde vinha todo esse fascínio não sei dizer – da minha imaginação, do pôr do sol, das construções históricas, do calçamento, da paixonite pelo Wanderley? Só posso afirmar, correndo o risco de ser considerada doidinha, que suspeito dos poste de luz. Sim, os postes que iluminam aquele trecho são os mesmos feitos na década de 1920, agora restaurados. Têm uma base pesada, de ferro fundido, as colunas de inspiração grega feitas de aço, mas o que transparecem é poesia e leveza. Como enfeites têm folhas – de acanto, volutas e campânulas, esclarecem os entendidos. Sua luz, com o céu de fim de tarde ao fundo, completa o ar romântico. Difícil não ser conquistado.
Muitos consideram a Rua dos Andradas o coração de Porto Alegre. Não há como negar que para nós, jornalistas em busca das marcas de Erico Verissimo, ela é riquíssima. Nela ficam a Casa de Cultura Mário Quintana, o Espaço Força e Luz, a Livraria do Globo, o Correio do Povo, a Praça da Alfândega, o calçadão de pedestres, lugares que fazem parte da história da vida do escritor gaúcho e de muitos de seus personagens.
Mesmo para quem não está em busca dos passos de Erico, esses são pontos turísticos atraentes. Só pela arquitetura a visita já está justificada. Mas a rua oferece ainda mais: a Igreja das Dores (e sua longa escadaria), o Museu Hipólito da Costa, a Catedral Episcopal, muitos cafés e restaurantes charmosos e sebos para quem gosta de se perder entre prateleiras de livros, como nós.
Essa rua foi um pouco minha. Mesmo agora, mais de um ano depois, a lembrança desse entardecer traz um prazer danado de bom. Lá Wanderley e eu encontramos Erico Verissimo, nos encontramos. Desejo sinceramente que um dia você também se encante e se encontre na Rua da Praia.
Por Wanderley Garcia e Gloria Cavaggioni. Casal de jornalistas apaixonados por viagens e literatura. Têm pós-graduação em educação e são criadores e editores do site dajanela.com.br
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[…] também colaborou, comemos as duas vezes em restaurantes diferentes, em mesinhas na calçada da Rua dos Andradas, que é arrebatadora. Na segunda vez o sabor da comida ficou meio misturado com um tanto de […]