No início da nossa jornada pelo interior gaúcho não faltou beleza. A visita a Rio Pardo não estava nos planos, apesar de desejada. O pequeno desvio do roteiro original valeu a pena, mesmo que rapidamente pudemos apreciar suas construções históricas. Para nós, dois jornalistas apaixonados por cultura e viagens em busca de referências à obra e à vida de Erico Verissimo, os momentos nessa cidade deixaram marcas. Aqui você pode conhecer o roteiro completo da expedição Caminhos Erico Verissimo.
Depois de três dias em Porto Alegre, num domingo de muito calor, 30 de janeiro de 2022, seguimos viagem, animados com o Jeep Renegade alugado. Nossa jornada pelo interior do Rio Grande do Sul começava com um trajeto de 6h até Bagé. Já na estrada, um pouco antes da entrada para Rio Pardo, fizemos os cálculos rapidamente e percebemos que se administrássemos bem o tempo seria possível uma parada extra a fim de conhecer a atmosfera da cidade ligada a alguns personagens de O Tempo e o Vento.
A Igreja Matriz
Estacionamos o carro na Praça Protásio Alves, em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora do Rosário e mais uma vez a sorte esteve com a gente. Chegamos justamente no final da missa e pudemos ver o interior da igreja, que é belíssimo. Terminado o culto, assim que os fiéis saíram, as portas da igreja foram fechadas, se chegássemos alguns minutos mais tarde não teríamos essas lembranças para contar.
Até mesmo a construção dessa igreja está ligada à história da formação da cidade e do Rio Grande do Sul. Não há um consenso documental em relação ao início do trabalho, o que se pode afirmar é que foi inaugurada em 1779. Sua nave principal, porém, foi concluída 22 anos depois. Por causa dos vários conflitos, como a Revolução Farroupilha, suas torres só foram terminadas em 1885.
Pudemos admirar o resultado de todos esses anos de trabalho, tentando ao máximo respeitar a celebração da missa, mas fazendo muitas fotos das paredes revestidas de pinturas, de seu altar em estilo barroco, seus adornos e detalhes. A Matriz, como é chamada pelos rio-pardenses, é patrimônio histórico do Estado e registra 245 anos de memória do município.
O Tempo e o Vento em Rio Pardo
Ana Terra, personagem marcante da trilogia O Tempo e o Vento, cresceu e viveu com seus pais e irmãos e numa sesmaria na região do Rio Pardo. Um de seus irmãos, Horácio, muda-se para Rio Pardo, se casa com a filha de um tanoeiro (que fabrica tonéis) e se estabelece como proprietário de uma pequena venda. Antonio, outro irmão de Ana Terra, se casa com Eulália Moura, filha de um colono açoriano das imediações de Rio Pardo. Será que se casaram na Matriz que conhecemos?
Rio Pardo
Portas da igreja fechadas, seguimos para um rápido passeio pela praça e seus arredores. Rio Pardo foi uma das primeiras vilas a serem criadas e teve um papel importante na defesa da fronteira brasileira na disputa com os espanhóis, tornando-se um movimentado entreposto de comércio.
Capitão Rodrigo, intempestuoso personagem de O Tempo e o Vento, na tentativa de fincar raízes e levar uma vida mais tranquila ao lado de Bibiana (neta de Ana Terra), abre uma venda em Santa Fé em sociedade com o cunhado Juvenal. Os artigos comercializados por eles eram trazidos de Rio Pardo por Juvenal de tempo em tempos. Numa dessas vezes o capitão Rodrigo é que vai a Rio Pardo buscar o necessário para abastecer a venda, na verdade querendo fugir da mesmice vivida entre casa e trabalho que o fazia sentir-se domesticado. Em Rio Pardo vive aventuras amorosas, demorando meses para voltar à Santa Fé.
Rua da Ladeira
Ao lado da igreja começa uma subida íngreme. A rua de pedras ladeada por casas antigas já recebeu diversos nomes, hoje é a Júlio de Castilhos, mas é conhecida mesmo como Rua da Ladeira. Cá para nós o apelido combina bem mais com essa simpática rua, uma das primeiras pavimentadas no Rio Grande do Sul.
As pedras utilizadas na pavimentação foram retiradas do rio Jacuí. Todo o trabalho foi feito por negros escravizados, em 1813. Inspirada na Via Appia em Roma, foi projetada de forma que as águas da chuva corram pelo centro e não pelas laterais como estamos acostumados a encontrar. Em suas esquinas ainda existem pilastras de pedras, antes usadas para se amarrar os cavalos. A rua conserva seu estilo original e é tombada como parte do Patrimônio Histórico Nacional.
Passamos pela Rua da Ladeira e nos perguntamos se qualquer carro subiria tal trecho com facilidade. O calçamento de pedras que para nós dificulta o trânsito de automóveis foi feito justamente para facilitar a subida das cargas que vinham pelo Rio Pardo e eram levadas ao centro da cidade.
De carro ou a pé, andar sobre essas pedras traz uma sensação muito boa, como se estivéssemos no cenário de um filme sobre a história do Brasil, com suas expropriações, contradições e poesia.
Antes de partir
Pegamos a estrada de volta ao plano original, rumo à Bagé, mas antes aproveitamos a vista do rio Jacuí, prenúncio das paisagens que ainda veríamos nessa viagem.