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Conversa no Catedral: Vargas Llosa mostra um país derrotado

Conversa no Catedral é um livro intenso e desafiador do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, Mario Vargas Llosa. Dois homens se reencontram por acaso e um deles convida para uma cerveja num bar, o La Catedral. O que seria apenas uma conversa se torna um momento de rememoração do passado, esclarecimento de fatos e por que não? confissões.

O que há de especial no livro que muitos dizem ser a maior obra do escritor peruano? Três pontos relevantes: 1) Vargas Llosa contextualiza o romance num período de ditadura no Peru onde o desejo de poder, ganância, preconceitos e mau-caratismo dominam a sociedade; 2) a imersão em diversos personagens, com a narrativa partindo deles e de seus pensamentos; 3) a experimentação na linguagem em que o autor utiliza tempos, lugares, fatos e personagens diferentes simultaneamente.

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Vamos à primeira: a história do terceiro romance de Llosa publicado em 1969 se passa principalmente durante a ditadura do general Manuel Odría (1948 – 1956) no Peru. Personagens poderosos e o seu entorno mostram um jogo político repleto de ambições, traições, golpes e contragolpes. Cayo Bermúdez, ou Cayo Mierda, é o homem responsável pela repressão do regime ditatorial. O personagem foi inspirado em Alejandro Esparza Zañartu, homem de confiança e responsável pela repressão no governo Odría. No entorno de Cayo, militares, políticos, empresários, capangas, artistas, prostitutas se movimentam. O jogo de poder traz uma série de reviravoltas ao longo do livro. O leitor mal tem tempo de se recuperar de uma surpresa, Vargas Llosa leva-o para outra.

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O segundo ponto é a forma de narrativa em que o autor dá prioridade às lembranças e aos pensamentos dos personagens. É possível conhecer uma mesma situação a partir de mais de um ponto de vista, do poderoso Bermúdez ao seu motorista Ambrosio, do empresário Fermín Zavala à empregada doméstica Amália.

O fio condutor é a conversa entre Santiago Zavala, o Zavalita, e Ambrosio numa mesa do La Catedral, um decadente bar, restaurante e “casa de encontros” que de fato existia àquela época em Lima, capital do Peru. Santiago é um jornalista, filho de um grande empresário, que decide romper com a família e abre mão do conforto do dinheiro para viver em paz com sua consciência e dignidade. Ambrosio era o antigo motorista da família, que vai revelando fatos terríveis do tempo em que trabalhou junto aos poderosos. Casos de violência, assassinato, prostituição, machismo, racismo, homossexualidade. Tudo vem à tona nesta conversa reveladora.

Muitos outros diálogos surgem ao longo do livro. Zavalita mesmo relembra vários encontros com o colega jornalista Carlinhos, vítima de uma armação de Bermúdez durante a ditadura. Ambrosio conta sua história com a esposa Amália, antiga empregada doméstica da família Zavala e que passou a trabalhar para Hortensia, ex-cantora e amante de luxo de Cayo Mierda.

Mario Vargas Llosa na entrada do bar La Catedral - Foto Félix Nakamura
Mario Vargas Llosa na entrada do bar La Catedral – Foto Félix Nakamura

Nesta intrincada rede, entra o terceiro ponto que faz da narrativa uma experimentação importante de Vargas Llosa. Os diálogos são narrados simultaneamente, embora tenham ocorrido em tempos, lugares e com pessoas diferentes. O autor não é didático, ao contrário, desafia o leitor a identificar os tempos, os personagens, os lugares onde acontece cada fato, cada diálogo e a montar o quebra-cabeças, o mesmo que Santiago quer terminar, mas lhe faltam algumas peças. O leitor é colocado numa mesa do Catedral, acompanhando uma conversa de bar, que vai e vem no tempo, no espaço e nos pontos de vista.

Vargas Llosa expõe cruamente acontecimentos e personagens e somente mais adiante o leitor tem condições de compreender o que está acontecendo. Se a leitura pouco didática pode nos fazer perder o fio da meada aqui e ali, é um desafio que faz do livro uma deliciosa aventura de leituras e releituras. Willian Faulkner, James Joyce e Gustave Flaubert compõem a fonte que influenciou Llosa para a elaboração do livro.

“Em que momento o Peru tinha se fodido?” É a pergunta chave do romance. Vargas Llosa mostra um país destroçado não só pela violência da ditadura, mas por sua corrupção, pela falta de ética que começa nos altos escalões do poder, se espalha e que chega até as camadas mais pobres, formadas por descendentes indígenas e negros. Quando esta pergunta paira no ar, Zavalita e Ambrosio querem saber em que momento eles também se ferraram. A decadência moral e ética no Peru transforma o país e seus cidadãos em fracassos vazios de qualquer esperança. A ditadura não mata apenas seus opositores mais ferrenhos, a liberdade e a verdade. A ditadura mata no presente e mata o futuro.

Curiosidades de Conversa no Catedral

Ruínas de onde funcionou o bar La Catedral em Lima, Peru – Foto: reprodução do Google Street View, agosto de 2023
  • Santiago Zavala, o Zavalita, tem algo de alter ego do escritor: ambos estudaram direito na Universidade de São Marcos, em Lima, participaram de uma célula do Partido Comunista Peruano, dedicaram suas vidas ao jornalismo e têm a mesma faixa etária.
  • O nome original do livro é Conversación en la Catedral. No Brasil, edições mais antigas foram publicadas com o título Conversa na Catedral. Em 2013 a editora Suma publicou Conversa no Catedral. Em português, este segundo título parece ser mais correto, pois Catedral é um bar e não uma igreja. No entanto, quando se utiliza o feminino, mantém-se fiel ao jogo que Vargas Llosa parecia pretender, pois a conversa tem um tom de confissões.
  • Conversa no Catedral foi o terceiro romance de Vargas Llosa, considerado por muitos como a sua melhor obra. O autor disse que foi o livro que mais lhe deu trabalho, entre reescritas e revisões e que se tivesse que salvar do fogo apenas uma de suas obras, seria esta.

Lugares de Conversa no Catedral

Em Conversa no Catedral, os fatos se desenrolam em vários locais no Peru, mas principalmente em Lima, a capital. Muitos lugares locais se tornam interessantes para quem quiser fazer uma imersão geográfica por esta obra do Nobel de literatura. Vamos começar então pela capital:

  • Lima
    • La Catedral – Bar onde se desenvolve a principal conversa do livro, entre Santiago Zavavala e Ambrosio. Ficava na Av. Alfonso Ugarte 206, em Lima. Até agosto de 2023 haviam ruínas do antigo botequim, de acordo com o Google Street View.
    • Miraflores – bairro de Lima à beira-mar, onde morava a família de Zavalita e também onde Vargas Llosa morou na infância e juventude.
    • Cruzamento das avenidas Tacna e Nicolás Piérola (antiga Avenida Colmena) – onde ficava o jornal A Crônica. Neste lugar Zavalita faz a pergunta-chave do livro: “Quando foi que o peru tinha se fodido?”
    • Bar Negro Negro – onde Zavalita conversava com o também jornalista Carlitos. O bar na Praça San Martín passou a se chamar depois De Grot.
    • Universidade Nacional Maior de São Marcos – uma das mais antigas da América Latina. Nela, Llosa estudou letras e direito. Zavalita, começou o curso de direito. Ambos (autor e personagem) participaram do grupo do Partido Comunista Peruano Cahuide na universidade.
    • Praça Maior de Lima, ou antiga Praça de Armas – Fica em frente ao Palácio do Governo, no Centro Histórico da cidade, local de importantes manifestações e fatos no livro.
  • Chaclacayo – distrito da província de Lima onde morava Hortensia, amante de Cayo Bermúdez
  • Ancón – distrito da província de Lima onde Fermín Zavala possuía um apartamento de veraneio.
  • Pucallpa – Capital do distrito de Callería, é uma cidade da Amazônia Peruana. Para lá, Ambrosio se muda com Amália quando sua situação se complica em Lima.
  • Arequipa – cidade natal de Vargas Llosa. No romance, nela se passa um protesto organizado pela coalizão contra o governo de Odría. Vargas Llosa se inspirou em fatos reais ocorridos em 1955 e colocou neles seus personagens. O protesto aconteceu dentro do Teatro de Arequipa e depois de um ataque de capangas do governo, foi deflagrada greve geral na cidade.
  • Chincha – cidade de origem de Cayo Bermúdez e Ambrosio.
  • Ica – Cidade onde Santiago se casa com Ana.

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