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Santuário do Caraça: passeio incrível nas serras de Minas Gerais

‒ Depois da janta as pessoas se reúnem em frente à igreja e os lobos vêm comer pertinho da gente!

Walber contava entusiasmado a experiência que tiveram no Santuário do Caraça, lugar que ignorávamos existir.

‒ Vocês precisam ir lá conhecer, intimava Natália, os olhos brilhavam de encanto.

Eu e Gloria nos fitamos com uma certeza: havíamos de voltar ao coração de Minas para conhecer este lugar que parecia ser deslumbrante. Estávamos em nossa última viagem antes da pandemia. Era janeiro de 2020, pegamos uma chuva bravíssima em Lapinha da Serra, onde conhecemos o casal de Ipatinga, mas que morava em Belo Horizonte. Na capital eles nos receberam alguns dias depois e nos levaram a bares e pontos turísticos da capital.

Depois veio a pandemia. Ficamos em casa.

Quando organizamos a Expedição Caminhos Fernando Sabino decidimos ir a Rio Acima e Mariana, pertinho do Caraça.  Mas o que fazer lá? Qual a relação dos lobos com Fernando Sabino?

Santuário do Caraça em meio às montanhas mineiras - Foto: Gloria Cavaggioni / Da JanelaA resposta estava no Grande Mentecapto. Sabino não diz para qual seminário Geraldo Viramundo foi, só disse que não foi para o Caraça.

“Houve, mesmo, entre os estudiosos do assunto, quem aventasse ter ido ele para o Caraça – hipótese logo afastada, pois sobre não apresentar nenhum fundamento que a sustentasse, sabe-se que os egressos daquele estabelecimento de ensino apresentam em sua formação certas características (como o hábito de citações em latim) inexistentes na de Viramundo”.

Como dois viramundos, e talvez mentecaptos, resolvemos por conta e risco procurar o personagem de Sabino onde ele com certeza não esteve. Mas o que há de certo em se tratando de Viramundo e do seu criador, adepto às traquinagens e um mentiroso genial?

Assim, chegamos ao Caraça cheios de expectativas e curiosidade. Ali também ficaram hospedados, muitos anos antes, o imperador Dom Pedro II e a imperatriz Teresa Cristina.

Mais que o tamanho do quarto, a espessura das paredes de 250 anos impressionaram. Que histórias de orações, aprendizados e amores, reprimidos ou não, teriam acontecido entre aquelas grossas paredes?

Subimos para a janta, ou para o jantar como prefere Gloria. Comida de fazenda, deliciosa. Difícil manter a linha em Minas, ainda mais num santuário que cultiva secularmente a tradição de alimentar bem seus hóspedes, cristãos ou pagãos.

Depois fomos para o átrio esperar o lobo. Os visitantes formaram um semicírculo, deixando livre a escada em frente à igreja. No meio, a oferenda: uma bandeja de carnes à espera dos visitantes.

Mal respirávamos no frio de julho a 1285 metros de altitude. O menor ruído poderia assustar a família de lobos. Não havia certeza do horário em que viriam, nem mesmo se viriam. Poderíamos passar a madrugada ali no frio enquanto o lobo não vinha. Mas estávamos dispostos a ficar em frente à igreja o tempo que fosse necessário.

Interior da Igreja de Nossa Senhora dos Homens no Santuário do Caraça – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Independente do lobo, a igreja de Nossa Senhora dos Homens já valeu nossa visita ao Caraça. Tivemos oportunidade de vê-la à noite e durante o dia, e enquanto escrevia este texto, descobri algo que me ligou mais ainda a ela: A Missa dos Quilombos, do bispo católico Dom Pedro Casaldáliga, do poeta Pedro Tierra e do músico Milton Nascimento foi gravada ali em 1982. A missa revolucionária resultou num álbum lindíssimo que mescla ritmos e letras afro com músicas sacras católicas e exortações aos direitos humanos. É um grito pela libertação do povo negro, quase cem anos após a abolição da escravatura e ainda sob a ditadura civil militar. Um desafio de religiosos e artistas em defesa do povo negro.

Emociono-me ao imaginar a potência do musical sendo gravado na belíssima igreja. O som dos tambores, das vozes negras entoando canções das tradições populares de Minas Gerais, pregando um Deus de todas as pessoas, de todas as cores.

“Em nome de um deus supostamente branco e colonizador, que nações cristãs têm adorado como se fosse o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, milhões de Negros vem sendo submetidos, durante séculos, à escravidão, ao desepero e a morte. No Brasil, na América, na África mãe, no Mundo”, escreveu Dom Pedro Casaldáliga na apresentação do disco.

A participação dos negros na história do Caraça é pouco contada lá. A escola e hospedaria era composta por homens religiosos em sua maioria brancos, atendendo a filhos brancos de famílias abastadas de Minas Gerais. Mas quantas mãos negras foram necessárias para colocar cada pedra em seu lugar?

Quem me chamou a atenção para esta reflexão foi o deputado Simão Pedro que tivemos o prazer de encontrar em nossa hospedagem com sua companheira Vilma. A dor e o sofrimento impregnados em nossa história tornam ainda mais belos nosso patrimônio cultural quando se ressignificam em espaços de conquistas de direitos.

Interior da Igreja de Nossa Senhora dos Homens no Santuário do Caraça – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Os altos arcos internos da igreja que nos encantaram quando estivemos lá, ganham uma dimensão ainda mais forte hoje quando a vejo como cenário da missa revolucionária. Empenhados em fotografar o templo, aproveitamos a penumbra que permitia a exploração de cores que a câmera e o celular traduziam e revelavam. Durante o dia, o impacto se dava diretamente aos nossos olhos.

No Caraça, nossos sentidos vão sendo estimulados o tempo todo. A visão é a mais deslumbrante, porém o toque das pedras, o cheiro da vegetação no puro ar da montanha também nos sensibiliza. O paladar não ficou de fora. No café da manhã pudemos colocar queijos e ovos na chapa do fogão a lenha. Gloria, que adora a cozinha, foi lá fazer seus preparos, para minha sorte.

Depois seguimos a trilha até a Cascatinha, um complexo de quatro cachoeiras com poços para nadar. Não fosse o frio e a água gelada de julho…

Cascatinha na Serra do Caraça – Foto: Gloria Cavaggioni / Da Janela

À tarde, participamos da visita guiada ao museu que conta a história do Caraça e que funciona numa parte do antigo colégio destruída por um incêndio em 1968. As ruínas foram mantidas mas adaptadas para a nova função.

Antes de pegarmos a estrada, fomos ao mirante que dá direito a uma bela vista do Santuáiro encravado nas montanhas.

Se vimos os lobos?

Um filhote que, arisco, se prontificou a comer petiscos em nossa presença assim que chegamos ao átrio. Qualquer barulhinho o assustava, mas aproveitou um bocado da bandeja de carnes. Crianças e adultos o observavam atentos e admirados. O restante da família dos lobos ficou por perto, mas não ousou subir as escadas.

Filhote de lobo come petiscos sob o olhar atento dos visitantes do Santuário do Caraça – Foto: Wanderley Garcia / Da Janela

Na estrada rumo a Santa Bárbara, em nossos olhos ainda reluziam a imagem do lobinho, os arcos da igreja, as pedras das construções, as montanhas, as flores. Nada que possamos levar, tudo o que jamais perderemos.

Gloria Cavaggioni e Wanderley Garcia durante a expedição Fernando Sabino no Santuário do Caraça – Foto: Wanderley Garcia, Da Janela

Hospedagem e visitas diurnas devem ser agendadas diretamente com o Santuário do Caraça.

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